quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O Poder do Silêncio

A sociedade ocidental atual valoriza enormemente o conhecimento e a ciência e muitas pessoas dedicam-se ao estudo teórico necessário para o seu crescimento. O estilo de vida dominante, entretanto, cria um paradoxo de difícil solução. Onde encontrar a calma necessária às profundas combinações da inteligência?
A agitação e o pragmatismo típicos da sociedade moderna são muito convenientes à ação, mas não ao pensamento. O cultivo da verdadeira ciência necessita de um ambiente de meditação, longe do tumulto e da marcha contínua. O trabalho criativo necessita que o Eu interior atue sem interferências e conduza o processo criativo.
Mas, para isso, o Eu interior necessita que o homem exterior guarde o silêncio, através da introspecção, do recolhimento e da meditação. Neste trabalho procuraremos mostrar a diferença entre o conceito de silêncio na civilização ocidental e oriental e tentar afastar o preconceito de que o silêncio é ausência de conteúdo.
Procuraremos também focar no aspecto mágico, invisível e esotérico do silêncio, mostrando que o Eu interior necessita de calma e reflexão para que possa se manifestar com todo o seu potencial. Aprofundaremos também nos conceitos herméticos e Maçônicos, enfatizando seus fundamentos no segredo e no silêncio.
Desenvolvimento
Enquanto no mundo oriental o silêncio é interpretado como parte integrante da boa interação entre as pessoas, no ocidente ele é considerado como uma falha de comunicação. Um antigo provérbio chinês diz: “Os que sabem não falam. Os que falam não sabem.” Este provérbio ensina que o falar demais revela egoísmo e arrogância, enquanto que o silêncio, ao respeitar aqueles que estão falando, permite ouvir e aprender o que não se sabe. Os budistas ensinam: “Melhor que mil palavras sem sentido é uma só palavra sensata, capaz de trazer paz àquele que a ouve.”
Tradicionalmente o poder tem sido confundido com prepotência e violência, não se combinando com a doutrina do silêncio. Esquecem-se, entretanto, que o nascer e o pôr do Sol é realizado em profunda quietude. Embora o Sol mova gigantescos sistemas planetários, sua luz penetra suavemente em qualquer vidraça sem a quebrar.
Milhões de pessoas buscam a verdade e a compreensão das leis que regulam a vida em geral. Elas vagueiam em seitas, religiões, cultos e nunca encontram respostas satisfatórias ao que procuram. Enredadas neste labirinto das complexidades exteriores, elas não se permitem ouvir e compreender suas simplicidades interiores. As respostas que elas esperam encontrar fora, devem provir de dentro, da silenciosa voz do Eu interior e da verdade existente em todo homem, o seu Eu superior.
O silêncio é mágico. Através dele nos chegam as maiores dádivas de Deus, que nos leva à harmonização com as energias espirituais mais refinadas. Ele obriga o eu exterior a cooperar com o Eu interior e com a divina mente criativa presente em todos nós.
O silêncio é a base do pensamento, que nasce do silêncio, existe no silêncio e retorna ao silêncio. Se prestarmos atenção ao silêncio, estaremos consciente do que está acontecendo. O silêncio é tudo. Tudo nasce, existe e retorna ao silêncio. Qualquer pensamento é precedido e sucedido por silêncio, se tornando, assim, uma forma daquele silêncio.
A linguagem do silêncio tem um poder magistral. Ele pode ser sinônimo de sapiência, estado de espírito, medo, vazio, reflexão, expectativa, solidão, mágoa, amor, desconfiança, aprovação, reprovação ou respeito entre tantas outras possibilidades. Nem sempre o silêncio anda junto com a sabedoria: às vezes expressa apenas ignorância. Podemos nos calar, também, por egoísmo ou temor. Apenas quando ele é acompanhado por qualidades como coragem, lealdade e sinceridade é que podemos nos beneficiar da magnitude do “silêncio do sábio”.
As coisas essenciais são invisíveis aos olhos. Não podem ser descritas por palavras nem captadas pelos sentidos. A arte de perceber a verdade deve ser praticada em silêncio, que é nossa maior arma contra palavras vazias e desgastadas.
A doutrina do silêncio está também espelhada no hermetismo. O termo ‘hermético’ significa secreto, fechado de tal maneira que nada escapa, decorrente do fato que seus discípulos sempre observavam o princípio do segredo nos seus preceitos. E o segredo exige o silêncio. A filosofia hermética baseou-se nos princípios herméticos transmitidos por Hermes Trimesgisto, “três vezes grande”, um ser bem próximo da divindade e considerado o pai da sabedoria antiga dos egípcios e dos gregos. Ao longo do tempo, a ciência do hermetismo foi cultivada sob várias denominações: ocultismo, esoterismo, magia, alquimia, astrologia, cabala e influenciou quase todas as correntes de pensamento filosófico da humanidade.
Os ensinamentos herméticos foram transmitidos de mestre a discípulos, dos lábios aos ouvidos de geração a geração por homens poucos preocupados com a aprovação popular, pois sabiam que apenas algumas pessoas de cada geração estavam preparadas para a verdade, podendo valorizá-la quando ela lhes fosse apresentada. Em outras palavras, reservaram a carne para os homens feitos, dando o leite às crianças e evitaram lançar pérolas de sabedoria para porcos vulgares, que enterrá-las-iam na lama e as desprezariam. Ao cuidarem da transmissão das palavras da verdade apenas aos que estavam preparados para recebê-la, seguiram os preceitos originais de Hermes.
A compilação das doutrinas básicas do hermetismo recebeu o nome de “Caibalion”, cuja significação exata se perdeu ao longo do tempo. Segundo o Caibalion (3), “Em qualquer lugar que estejam os vestígios do Mestre, os ouvidos daquele que estiver preparado para receber o seu Ensinamento se abrirão completamente”. E “quando os ouvidos do discípulo estão preparados para ouvir, então vêm os lábios para os encher com Sabedoria.” Em síntese, o Caibalion ensina que “Os lábios da Sabedoria estão fechados, exceto aos ouvidos do Entendimento”.
Desse modo, segundo o ensinamento, o livro só receberá atenção daqueles que estiverem pronto para receber os preceitos transmitidos. Reciprocamente, quando o discípulo estiver pronto para receber os ensinamentos, este livro lhe aparecerá. É a lei estabelecida no princípio hermético de causa e efeito.
Os preceitos herméticos não deviam ser misturados com religião e nem podiam ser indiscriminadamente divulgados. Os antigos instrutores advertiam que a Doutrina Secreta nunca deveria ser cristalizada como um credo, pois correria o risco de se degenerar e perder-se completamente no meio das superstições, cultos e religiões. Na maioria das religiões, a impossibilidade de explicar as razões e mesmo o sentido da criação, fez com que se estabelecessem dogmas, impedindo-se com isso as indagações mais profundas dos espíritos. O dogma constitui-se na aceitação sem sabedoria, que se afasta profundamente da “gnosis”, ou seja do conhecimento verdadeiro.
Assim, qualquer tentativa de massificação do conhecimento verdadeiro será acompanhada por incompreensões, briga de interesses e manipulações. As massas populares ainda são impulsionadas por obediência àqueles que conseguem manipulá-las, seguindo, como simples peões, as vontades e os desejos dos mais fortes. Continua na terra o espírito de perseguição aos que pensam diferente. Se todos os preceitos herméticos fossem divulgados, certamente sofreriam distorções e atrairiam o desprezo e ódio por parte de uma multidão de justiceiros. Muitos dos manuscritos de Hermes foram destruídos no incêndio da Biblioteca de Alexandria.
Por outro lado, a não revelação direta de todos os princípios não é apenas por uma simples questão de segredo. Constitui-se, antes, uma forma de exercitar a mente do discípulo para que ele se torne apto para entender os novos conhecimentos. Por isso é melhor que os princípios sejam descobertos do que simplesmente revelados. É somente nesse esforço que a mente do discípulo consegue se abrir para os mistérios maiores.
Recentes pesquisas psicológicas apontam que a educação moderna, utilizando métodos racionais, analíticos e discursivos, inibe as potencialidades adormecidas e atrofiam algumas partes de nosso cérebro, que só se ativam quando o homem se põe em contato com energias superiores. Segundo uma lenda antiga, quando certas áreas do cérebro são estimuladas pelos processos secretos dos ensinamentos sagrados de Hermes, a consciência é expandida a ponto de poder ver os Imortais e até mesmo sentir-se na presença dos Deuses Superiores. Por esta razão, tais ensinamentos são considerados por muitos como uma das chaves da imortalidade. Entretanto tais conhecimentos estão disponíveis apenas para os verdadeiros iniciados e são inteiramente negados para o mundo profano. O segredo e o silêncio continuam selados, tornando-se disponível apenas para aqueles que desejam servir à humanidade, segundo a orientação dos Imortais.
Dentre as ordens iniciáticas que subsistiram até nossos dias, a Maçonaria foi a que recebeu de maneira mais direta a herança metafísica e simbólica da tradição hermética. Muitos ensinamentos são transmitidos através de símbolos e todos sabem que os símbolos têm um grande poder transformador sobre o homem. Além disso, a linguagem simbólica consegue expressar a ordem sensível aos que estiverem capacitados, velando seu conteúdo para aqueles que não têm olhos para ver o interno das coisas.
Os aprendizes e companheiros, ao entrarem na Maçonaria., devem observar a “lei do silêncio” que visa dar um tempo para a ascensão de seu espírito, calando as vozes e “paixões que se agitam no peito”. Emoções e pensamentos desordenados escondem-se atrás de palavras vazias. Com o silêncio, são estimulados a exercitar a prudência maçônica, uma vez que estarão entrando em contato com mistérios que devem ser zelosamente guardados no coração. O silêncio permite a busca do equilíbrio e o contato com a própria sabedoria interior. Segundo Pitágoras (1), “só através da contínua e constante disciplina do silêncio se ganha o privilégio da palavra”.
Conclusão
Conforme verificamos neste trabalho, o indivíduo que percorreu importantes estágios da existência em direção ao divino, reconhecendo a importância da “doutrina do silêncio”, libertou-se das limitações do mundo profano, colocou seu corpo e alma a serviço do sagrado e descobriu o seu Eu interior.
Segundo René Guénon (1), “quando nos damos conta até que grau de degeneração chegamos no Ocidente moderno, fica fácil compreender quantas coisas de ordem tradicional e, por mais forte razão, de ordem iniciática não podem subsistir senão no estado de vestígios, mais ou menos incompreendidos, inclusive por aqueles mesmos que os guardam”.
Dessa forma, verificamos que é muito grande a relação entre a “doutrina do siêncio” e a filosofia contida no hermetismo, a partir dos ensinamentos de Hermes que vem sendo feito por estudiosos das verdades ocultas, desde antiqüíssima época. Durante a Idade Média, em virtude de perseguições, a ciência se ocultou nas ordens iniciáticas e o hermetismo desenvolveu-se como uma doutrina esotérica profundamente ligada à Alquimia.
Embora os tratados herméticos destaquem a necessidade de uma vida pura, separada moralmente das massas, o hermetismo não se constitui uma seita, pois inexiste clero e sacramentos. Poderia ser considerado, quando muito, uma atitude religiosa.
Hoje em dia, o termo “hermético” significa secreto ou fechado de tal forma que nada escapa. Os discípulos de Hermes procuram observar o princípio do segredo, seguindo o preceito de que deve-se dar leite às crianças e carne aos homens feitos. Essas máximas eram já conhecidas pelos egípcios muitos séculos antes da era cristã. Refletindo esses princípios, Cristo difundiu a máxima de não lançar pérolas aos porcos.
Desde a fase operativa da Ordem da Maçônica, foi muito grande a influência dos ensinamentos herméticos. Da mesma forma, muitas culturas ocidentais (gregos, romanos, judeus, cristãos e árabes) foram inspiradas na Tradição Primordial, que se constituiu no tronco comum de todas elas. Embora hoje em dia estas sociedades tenham se desviado fortemente para o materialismo, ainda continuam a ter no hermetismo um ponto de referência para as correntes ocultistas.
Embora os antigos instrutores pedissem segredo, sempre desejaram que os preceitos fossem adequadamente transmitidos. Segundo eles (3), “A posse do Conhecimento sem ser acompanhada de uma manifestação ou expressão em Ação é como o amontoamento de metais preciosos, uma coisa vã e tola. O Conhecimento é, como a riqueza, destinado ao Uso. A Lei do Uso é Universal, e aquele que viola esta Lei sofre por causa do seu conflito com as forças naturais.”
Em resumo, somos prejudicados por cada palavra vã ou ociosa que lançamos ao ar, e beneficiados por cada palavra correta ou cada silêncio adequado que guardamos. Não é simples a prática do silêncio e da palavra, antes constitui-se uma ciência a ser buscada e praticada durante toda a vida.
* Manoel Tavares Santos

 retirado do site: http://sobmalhete.com/2013/06/04/o-poder-do-silencio/

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