A sociedade ocidental atual valoriza enormemente o conhecimento e a
ciência e muitas pessoas dedicam-se ao estudo teórico necessário para o
seu crescimento. O estilo de vida dominante, entretanto, cria um
paradoxo de difícil solução. Onde encontrar a calma necessária às
profundas combinações da inteligência?
A agitação e o pragmatismo típicos da sociedade moderna são muito
convenientes à ação, mas não ao pensamento. O cultivo da verdadeira
ciência necessita de um ambiente de meditação, longe do tumulto e da
marcha contínua. O trabalho criativo necessita que o Eu interior atue
sem interferências e conduza o processo criativo.
Mas, para isso, o Eu interior necessita que o homem exterior guarde o
silêncio, através da introspecção, do recolhimento e da
meditação. Neste trabalho procuraremos mostrar a diferença entre o
conceito de silêncio na civilização ocidental e oriental e tentar
afastar o preconceito de que o silêncio é ausência de conteúdo.
Procuraremos também focar no aspecto mágico, invisível e esotérico do
silêncio, mostrando que o Eu interior necessita de calma e reflexão
para que possa se manifestar com todo o seu potencial. Aprofundaremos
também nos conceitos herméticos e Maçônicos, enfatizando seus
fundamentos no segredo e no silêncio.
Desenvolvimento
Enquanto no mundo oriental o silêncio é
interpretado como parte integrante da boa interação entre as pessoas, no
ocidente ele é considerado como uma falha de comunicação. Um antigo
provérbio chinês diz: “Os que sabem não falam. Os que falam não sabem.”
Este provérbio ensina que o falar demais revela egoísmo e arrogância,
enquanto que o silêncio, ao respeitar aqueles que estão falando, permite
ouvir e aprender o que não se sabe. Os budistas ensinam: “Melhor que
mil palavras sem sentido é uma só palavra sensata, capaz de trazer paz
àquele que a ouve.”
Tradicionalmente o poder tem sido confundido com prepotência e
violência, não se combinando com a doutrina do silêncio. Esquecem-se,
entretanto, que o nascer e o pôr do Sol é realizado em profunda
quietude. Embora o Sol mova gigantescos sistemas planetários, sua luz
penetra suavemente em qualquer vidraça sem a quebrar.
Milhões de pessoas buscam a verdade e a compreensão das leis que
regulam a vida em geral. Elas vagueiam em seitas, religiões, cultos e
nunca encontram respostas satisfatórias ao que procuram. Enredadas neste
labirinto das complexidades exteriores, elas não se permitem ouvir e
compreender suas simplicidades interiores. As respostas que elas esperam
encontrar fora, devem provir de dentro, da silenciosa voz do Eu
interior e da verdade existente em todo homem, o seu Eu superior.
O silêncio é mágico. Através dele nos chegam as maiores dádivas de
Deus, que nos leva à harmonização com as energias espirituais mais
refinadas. Ele obriga o eu exterior a cooperar com o Eu interior e com a
divina mente criativa presente em todos nós.
O silêncio é a base do pensamento, que nasce do silêncio, existe no
silêncio e retorna ao silêncio. Se prestarmos atenção ao silêncio,
estaremos consciente do que está acontecendo. O silêncio é tudo. Tudo
nasce, existe e retorna ao silêncio. Qualquer pensamento é precedido e
sucedido por silêncio, se tornando, assim, uma forma daquele silêncio.
A linguagem do silêncio tem um poder magistral. Ele pode ser sinônimo
de sapiência, estado de espírito, medo, vazio, reflexão, expectativa,
solidão, mágoa, amor, desconfiança, aprovação, reprovação ou respeito
entre tantas outras possibilidades. Nem sempre o silêncio anda junto com
a sabedoria: às vezes expressa apenas ignorância. Podemos nos calar,
também, por egoísmo ou temor. Apenas quando ele é acompanhado por
qualidades como coragem, lealdade e sinceridade é que podemos nos
beneficiar da magnitude do “silêncio do sábio”.
As coisas essenciais são invisíveis aos olhos. Não podem ser
descritas por palavras nem captadas pelos sentidos. A arte de perceber a
verdade deve ser praticada em silêncio, que é nossa maior arma contra
palavras vazias e desgastadas.
A doutrina do silêncio está também espelhada no hermetismo. O termo
‘hermético’ significa secreto, fechado de tal maneira que nada escapa,
decorrente do fato que seus discípulos sempre observavam o princípio do
segredo nos seus preceitos. E o segredo exige o silêncio. A filosofia
hermética baseou-se nos princípios herméticos transmitidos por Hermes
Trimesgisto, “três vezes grande”, um ser bem próximo da divindade e
considerado o pai da sabedoria antiga dos egípcios e dos gregos. Ao
longo do tempo, a ciência do hermetismo foi cultivada sob várias
denominações: ocultismo, esoterismo, magia, alquimia, astrologia, cabala
e influenciou quase todas as correntes de pensamento filosófico da
humanidade.
Os ensinamentos herméticos foram transmitidos de mestre a discípulos,
dos lábios aos ouvidos de geração a geração por homens poucos
preocupados com a aprovação popular, pois sabiam que apenas algumas
pessoas de cada geração estavam preparadas para a verdade, podendo
valorizá-la quando ela lhes fosse apresentada. Em outras palavras,
reservaram a carne para os homens feitos, dando o leite às crianças e
evitaram lançar pérolas de sabedoria para porcos vulgares, que
enterrá-las-iam na lama e as desprezariam. Ao cuidarem da transmissão
das palavras da verdade apenas aos que estavam preparados para
recebê-la, seguiram os preceitos originais de Hermes.
A compilação das doutrinas básicas do hermetismo recebeu o nome de
“Caibalion”, cuja significação exata se perdeu ao longo do tempo.
Segundo o Caibalion (3), “Em qualquer lugar que estejam os vestígios do
Mestre, os ouvidos daquele que estiver preparado para receber o seu
Ensinamento se abrirão completamente”. E “quando os ouvidos do discípulo
estão preparados para ouvir, então vêm os lábios para os encher com
Sabedoria.” Em síntese, o Caibalion ensina que “Os lábios da Sabedoria
estão fechados, exceto aos ouvidos do Entendimento”.
Desse modo, segundo o ensinamento, o livro só receberá atenção
daqueles que estiverem pronto para receber os preceitos transmitidos.
Reciprocamente, quando o discípulo estiver pronto para receber os
ensinamentos, este livro lhe aparecerá. É a lei estabelecida no
princípio hermético de causa e efeito.
Os preceitos herméticos não deviam ser misturados com religião e nem
podiam ser indiscriminadamente divulgados. Os antigos instrutores
advertiam que a Doutrina Secreta nunca deveria ser cristalizada como um
credo, pois correria o risco de se degenerar e perder-se completamente
no meio das superstições, cultos e religiões. Na maioria das religiões, a
impossibilidade de explicar as razões e mesmo o sentido da criação, fez
com que se estabelecessem dogmas, impedindo-se com isso as indagações
mais profundas dos espíritos. O dogma constitui-se na aceitação sem
sabedoria, que se afasta profundamente da “gnosis”, ou seja do
conhecimento verdadeiro.
Assim, qualquer tentativa de massificação do conhecimento verdadeiro
será acompanhada por incompreensões, briga de interesses e manipulações.
As massas populares ainda são impulsionadas por obediência àqueles que
conseguem manipulá-las, seguindo, como simples peões, as vontades e os
desejos dos mais fortes. Continua na terra o espírito de perseguição aos
que pensam diferente. Se todos os preceitos herméticos fossem
divulgados, certamente sofreriam distorções e atrairiam o desprezo e
ódio por parte de uma multidão de justiceiros. Muitos dos manuscritos de
Hermes foram destruídos no incêndio da Biblioteca de Alexandria.
Por outro lado, a não revelação direta de todos os princípios não é
apenas por uma simples questão de segredo. Constitui-se, antes, uma
forma de exercitar a mente do discípulo para que ele se torne apto para
entender os novos conhecimentos. Por isso é melhor que os princípios
sejam descobertos do que simplesmente revelados. É somente nesse esforço
que a mente do discípulo consegue se abrir para os mistérios maiores.
Recentes pesquisas psicológicas apontam que a educação moderna,
utilizando métodos racionais, analíticos e discursivos, inibe as
potencialidades adormecidas e atrofiam algumas partes de nosso cérebro,
que só se ativam quando o homem se põe em contato com energias
superiores. Segundo uma lenda antiga, quando certas áreas do cérebro são
estimuladas pelos processos secretos dos ensinamentos sagrados de
Hermes, a consciência é expandida a ponto de poder ver os Imortais e até
mesmo sentir-se na presença dos Deuses Superiores. Por esta razão, tais
ensinamentos são considerados por muitos como uma das chaves da
imortalidade. Entretanto tais conhecimentos estão disponíveis apenas
para os verdadeiros iniciados e são inteiramente negados para o mundo
profano. O segredo e o silêncio continuam selados, tornando-se
disponível apenas para aqueles que desejam servir à humanidade, segundo a
orientação dos Imortais.
Dentre as ordens iniciáticas que subsistiram até nossos dias, a
Maçonaria foi a que recebeu de maneira mais direta a herança metafísica e
simbólica da tradição hermética. Muitos ensinamentos são transmitidos
através de símbolos e todos sabem que os símbolos têm um grande poder
transformador sobre o homem. Além disso, a linguagem simbólica consegue
expressar a ordem sensível aos que estiverem capacitados, velando seu
conteúdo para aqueles que não têm olhos para ver o interno das coisas.
Os aprendizes e companheiros, ao entrarem na Maçonaria., devem
observar a “lei do silêncio” que visa dar um tempo para a ascensão de
seu espírito, calando as vozes e “paixões que se agitam no peito”.
Emoções e pensamentos desordenados escondem-se atrás de palavras vazias.
Com o silêncio, são estimulados a exercitar a prudência maçônica, uma
vez que estarão entrando em contato com mistérios que devem ser
zelosamente guardados no coração. O silêncio permite a busca do
equilíbrio e o contato com a própria sabedoria interior. Segundo
Pitágoras (1), “só através da contínua e constante disciplina do
silêncio se ganha o privilégio da palavra”.
Conclusão
Conforme verificamos neste trabalho, o indivíduo que percorreu
importantes estágios da existência em direção ao divino, reconhecendo a
importância da “doutrina do silêncio”, libertou-se das limitações do
mundo profano, colocou seu corpo e alma a serviço do sagrado e descobriu
o seu Eu interior.
Segundo René Guénon (1), “quando nos damos conta até que grau de
degeneração chegamos no Ocidente moderno, fica fácil compreender quantas
coisas de ordem tradicional e, por mais forte razão, de ordem
iniciática não podem subsistir senão no estado de vestígios, mais ou
menos incompreendidos, inclusive por aqueles mesmos que os guardam”.
Dessa forma, verificamos que é muito grande a relação entre a
“doutrina do siêncio” e a filosofia contida no hermetismo, a partir dos
ensinamentos de Hermes que vem sendo feito por estudiosos das verdades
ocultas, desde antiqüíssima época. Durante a Idade Média, em virtude de
perseguições, a ciência se ocultou nas ordens iniciáticas e o hermetismo
desenvolveu-se como uma doutrina esotérica profundamente ligada à
Alquimia.
Embora os tratados herméticos destaquem a necessidade de uma vida
pura, separada moralmente das massas, o hermetismo não se constitui uma
seita, pois inexiste clero e sacramentos. Poderia ser considerado,
quando muito, uma atitude religiosa.
Hoje em dia, o termo “hermético” significa secreto ou fechado de tal
forma que nada escapa. Os discípulos de Hermes procuram observar o
princípio do segredo, seguindo o preceito de que deve-se dar leite às
crianças e carne aos homens feitos. Essas máximas eram já conhecidas
pelos egípcios muitos séculos antes da era cristã. Refletindo esses
princípios, Cristo difundiu a máxima de não lançar pérolas aos porcos.
Desde a fase operativa da Ordem da Maçônica, foi muito grande a
influência dos ensinamentos herméticos. Da mesma forma, muitas culturas
ocidentais (gregos, romanos, judeus, cristãos e árabes) foram inspiradas
na Tradição Primordial, que se constituiu no tronco comum de todas
elas. Embora hoje em dia estas sociedades tenham se desviado fortemente
para o materialismo, ainda continuam a ter no hermetismo um ponto de
referência para as correntes ocultistas.
Embora os antigos instrutores pedissem segredo, sempre desejaram que
os preceitos fossem adequadamente transmitidos. Segundo eles (3), “A
posse do Conhecimento sem ser acompanhada de uma manifestação ou
expressão em Ação é como o amontoamento de metais preciosos, uma coisa
vã e tola. O Conhecimento é, como a riqueza, destinado ao Uso. A Lei do
Uso é Universal, e aquele que viola esta Lei sofre por causa do seu
conflito com as forças naturais.”
Em resumo, somos prejudicados por cada palavra vã ou ociosa que
lançamos ao ar, e beneficiados por cada palavra correta ou cada silêncio
adequado que guardamos. Não é simples a prática do silêncio e da
palavra, antes constitui-se uma ciência a ser buscada e praticada
durante toda a vida.
* Manoel Tavares Santos
retirado do site: http://sobmalhete.com/2013/06/04/o-poder-do-silencio/
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